A no??o de canoniza??o ? a mesma tanto para a B?blia hebraica/Tanak (?Primeiro Testamento?) quanto para o Novo Testamento. Os conceitos de kan?n e ?can?nico? devem, no entanto, ser elucidados, pois a ?canoniza??o? ? um fen?meno tipicamente crist?o. Foi em sua ?Carta de P?scoa? do ano 367 que Atan?sio imp?s o termo can?n (?vara?; ?regra?) para designar os livros inspirados reconhecidos pela Igreja. Portanto, deve-se distinguir entre ?Escritura? e kan?n.
Quanto ? data??o limite dos textos, a delimita??o rab?nica, baseada no pressuposto de que a profecia se apagou pouco depois do ex?lio babil?nico (o livro de Daniel, considerado o ?ltimo texto sagrado, de 164 a.C., era situado pelos antigos no ex?lio babil?nico), limitou o per?odo da reda??o.
Est? claro que o antigo Is?rael n?o tinha desde o in?cio um livro sagrado (cf. ?xodo 17.14; 24.4; 34.27-28; N?meros 33.2; Deuteron?mio 31.9). A fixa??o definitiva das ?Escrituras Sagradas? aconteceu apenas nos s?culos III-IV d.C., mesmo havendo desde o final do s?culo III a.C. rolos da B?blia hebraica/Primeiro Testamento assegurados, mas n?o definitivamente fixados, como demonstra a leitura da Torah em Neemias 8.5-8 (Esdras abriu o livro ? vista de todo o povo…).
O hebra?sta Konrad Schmid afirma que a B?blia hebraica/Primeiro Testamento ? atestada como uma biblioteca sagrada no final do s?culo I d.C., em que Fl?vio Josefo, na apologia Contra Apionem, menciona 22 livros, e 4Esdras (cap?tulo 14) menciona 24 livros; evidentemente, sem as divis?es e estrutura atuais. Josefo denomina de ta biblia ?os livros?. O 2Macabeus (2.14-15), livro de 164 a.C., informa que Judas Matatias recolheu as escrituras escondidas para que o rei Ant?oco Ep?fanes n?o as destru?sse. O Sir?cida, um livro de 132 a.C., informa-nos que at? ent?o a B?blia hebraica/Primeiro Testamento tinha duas partes organizadas, a Lei e os Profetas, e ?outros? livros.
? apenas suposi??o apresentar o ?S?nodo de Yabneh?, por volta do ano 100 d.C., como ambiente do estabelecimento do kan?n, pois nem existia ? ?poca ?s?nodo? ou ?conc?lio? (termos crist?os) nem a defini??o de um kan?n constava da pauta (debateu-se os fundamentos para a autoridade rab?nica). Naquele s?nodo, os ?outros? livros foram recolhidos sob a designa??o de Escritos (Salmos, J?, Eclesiastes, Rute, Ester, Daniel, etc.). Essa colet?nea protofarisaica prop?e novas perspectivas sobre a condi??o humana em rela??o a Deus; os saduceus e samaritanos n?o a reconheceram.
Crit?rios de canonicidade
O texto deveria refletir a f? vivenciada, deveria ser coerente com a Torah ou com algum texto j? autorizado, a ancestralidade dos personagens ou do tema narrado e o limite cronol?gico.
A autoria desempenhou papel apenas relativo em face do anonimato redacional. O aspecto central, outorgar a inspira??o divina a um texto, foi a mais importante decis?o rab?nica.
Sem ter sido algo sistem?tico, contribu?ram ainda para a canoniza??o a sacralidade ri?tual (a express?o hebraica kit?b? haq-q?de? traduzida por ?Escrituras Sagradas? ? literalmente ?Escritos do ritual do Santu?rio?); com a mem?ria traditiva que afirmava os textos como divinos, o juda?smo os integra como parte do culto.
A qualidade do texto passou a ser secund?ria quando v?rios grupos tiveram acesso ou copiaram os rolos oficiais do Templo, dentre eles os sacerdotes dissidentes de Qumran e os fariseus que conseguiam c?pias por interm?dio de sacerdotes que aderiam a eles. A autoridade sacerdotal foi assim substitu?da pela erudi??o rab?nica, que manteve a valora??o diferenciada entre as c?pias da Torah/Pentateuco, dos Profetas e dos Escritos. A Torah ? o crit?rio!
Os contextos s?o amplamente complexos e competitivos. Confrontam-se a ordem diferenciada dos livros na tradi??o grega, que inclu?am, por vezes, os escritos deuterocan?nicos, a imposi??o de F?lon para que a sacralidade fosse restrita ? Torah/Pentateuco e as novas tradu?es para a di?spora de l?ngua grega. Johann Maier postula que ap?s 70 d.C. at? a Septuaginta sofreu obje?es ? talvez como rea??o rab?nica ao uso que dela faziam os/as crist?os/?s.
Em s?ntese, a canonicidade resolveu um conflito de identidade cultural no juda?smo antigo e inibiu a circula??o da literatura religiosa de tipo pseudepigr?fica. Com a proibi??o de altera?es, no s?culo II d.C., a B?blia hebraica/Primeiro Testamento ficou estabilizada; o kan?n passa, ent?o, a servir de guia normativo para o juda?smo e harmoniza o povo em torno da mesma f? e do mesmo Deus. Por fim, a Baraita do Talmud b. Baba Batra atribui a certos personagens ? como Mois?s, Josu?, Samuel, Jeremias ? a autoria de livros.
Pastor Jo?o Batista Ribeiro Santos
Biblista e historiador, docente de Antigo Testamento na FaTeo/Umesp
PUBLICADO ORIGINALMENTE NO JORNAL EXPOSITOR CRIST?O DE DEZEMBRO DE 2016.
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