Publicado por José Geraldo Magalhães Jr. em Reflexão, Entrevista - 04/11/2019 às 13:15:59

Juventude negra no Brasil está sendo eliminada, segundo Atlas da Violência

José Magalhães/EC | São Paulo

O dia 20 de novembro não é apenas um feriado nacional, mas o dia da Consciência Negra. Trouxemos nesta edição alguns artigos e reflexões a respeito do assunto. Na entrevista deste mês, conversamos com o Pastor na Igreja Metodista em Filadélfia no Engenho Velho da Federação (Remne) e integrante do Movimento Negro Evangélico em Salvador/BA, André Rás. Ele explicou como a Igreja Metodista enfrenta o pecado do racismo e destacou que “está em andamento um extermínio da juventude negra no Brasil” conforme aponta dados da pesquisa na página anterior. Na entrevista abaixo, você vai conferir também algumas ações sugeridas por ele que podem ser aplicadas nas igrejas locais.

Expositor Cristão - Como avaliar o trabalho da Igreja Metodista junto ao enfrentamento de desigualdades raciais? 
André Rás - A Igreja Metodista do Brasil é uma grande referência no combate ao pecado do racismo, basta visitarmos o site nacional que vamos identificar muitos materiais de qualidade que abordam de forma muito corajosa a questão do pecado do racismo. Temos um posicionamento firme do Colégio Episcopal e uma Carta Pastoral que aponta caminhos, teológicos e bíblicos, os quais ajudam as igrejas locais na elaboração de ações concretas. Em relação às outras igrejas, temos visto que existe certa dificuldade em tratar o tema do racismo e seus desdobramentos na sociedade. Devemos nos lembrar de que o racismo é muito sutil; muitas vezes esse pecado é negado com base em discursos permeados de senso comum. Hoje isso se agrava com uma notória negação da História e dos fatos que aprofundam as desigualdades raciais no Brasil. Sem dúvidas, quando olhamos para o que acontece no cotidiano, percebemos que existe sim uma distância muito grande da igreja evangélica no Brasil em relação ao sofrimento do povo preto neste país. Não nos assustamos com o tratamento destinado ao povo afrodescendente, não ficamos escandalizados/as com o lugar de subalternidade reservado aos pretos e pretas. Ligamos a televisão e parece que estamos na Europa, não num país que tem uma expressiva presença afrodescendente, e não temos indignação diante disso. 

EC - É visível, muitas das vezes, os preconceitos raciais dentro da igreja? 
AR - Não podemos nos esquecer de que o pecado do racismo acontece de forma muito silenciosa. A igreja reflete as contradições da sociedade, e obviamente ela reproduz o racismo de forma potente e brutal. Um exemplo disso é quando não citamos a participação positiva do povo preto nas escrituras. Atribuímos ao povo africano o lugar da maldição e do feitiço. Também podemos perceber a manifestação de racismo quando os pretos e pretas assumem sua estética preta e a forma como isso choca as pessoas. Ninguém se sente agredido ou agredida com uma pessoa preta com o cabelo alisado, ou com implantes de cabelo não negro. Ninguém se ofende com um homem preto de cabelo raspado, mas as pessoas se sentem agredidas com os homens pretos que usam o cabelo black power ou tranças africanas. Quando as mulheres pretas assumem sua estética preta e deixam seus cabelos crespos crescerem de forma natural, isso assusta. Não deveria ser assim, mas o racismo impôs uma beleza hegemônica a partir da estética branca e tudo que se distancia dessa estética branca é desqualificada e invisibilizada. 
Em nossas leituras bíblicas nunca imaginamos um cenário afro-asiático, tanto é que não ficamos indignados/as com as representações de personagens bíblicos nas novelas das emissoras notadamente de orientação cristã. Como saída precisamos sinalizar a diversidade existente no corpo de Cristo e que Deus nos ama como somos; não precisamos ser parecidos/as com o/a branco/a para ser aceito/a ou amado/a. Sou amado por Deus e a minha negritude é uma bênção no Senhor. Acredito que precisamos acolher com muita abertura de coração as pessoas que falam sobre suas dores provocadas pelo pecado do racismo. Os pastores e pastoras são desafiados/as no aprimoramento da escuta para localizar na comunidade de fé os sofrimentos relacionados ao racismo e tratar com coragem, e não negando que existe racismo no Brasil. A igreja pode criar meios para fortalecer a autoestima do povo afrodescendente, trazendo para o cotidiano da comunidade de fé celebrações sobre o dia da consciência negra. E juntamente com uma liturgia bem amadurecida criar conexões da resistência do povo preto com os gestos concretos de liberdade através dos evangelhos. 

EC - Em sua percepção, o que a igreja ainda pode fazer?
AR - A Igreja Metodista do Brasil tem um grande testemunho de combate ao pecado do racismo. Sempre que tenho oportunidade eu leio um documento de reflexão sobre o documento vida e missão publicado em 1983, e lá tem um lindo texto titulado “Clamor de um pastor metodista negro aos metodistas brasileiros e latino-americanos de todas as raças”, escrito pelo reverendo, hoje aposentado, Antônio Olímpio Sant’Ana, que fez uma linda e poderosa reflexão sobre o povo preto na Igreja Metodista do Brasil e a tarefa da Igreja em fortalecer a luta antirracista. Temos o testemunho de mulheres como Maria da Fé Vianna (Fezinha), Eva Romão, Diná Branquinni e muitas pessoas que lutam até hoje no combate ao racismo através da Igreja Metodista do Brasil. Isso é motivo de orgulho para o povo metodista. Temos um programa nacional antirracista que aponta muitos caminhos interessantes para o enfrentamento do pecado do racismo. O combate ao pecado do racismo é uma realidade no metodismo brasileiro. A pastoral de combate ao racismo desempenha um ótimo trabalho de testemunho e resistência. Acredito que o próximo passo é animar pastorais de combate ao racismo em todas as Regiões Eclesiásticas e fortalecer as pastorais que já existem. A irmã Juliana de Souza, nossa referência nacional de combate ao racismo, tem realizado um ótimo trabalho. Eu acredito que as regiões eclesiásticas possuem um papel estratégico no encorajamento das igrejas locais no combate ao pecado do racismo. Faço um apelo aos bispos e bispas: que fortaleçam a pastoral de combate ao racismo em suas regiões eclesiásticas.

EC - Segundo o Atlas da Violência de 2019, 75% das vítimas de homicídio são negras. Como se explica essa realidade?
AR - Está em andamento um extermínio da juventude negra no Brasil. Os movimentos sociais pretos falam de um genocídio do povo preto no Brasil por entender que os assassinatos são desdobramentos de um contexto de exclusão e subalternidade de uma população específica e marcada de sujeitos específicos. A juventude preta é a que mais morre neste cenário, às vezes por envolvimento com o crime e muitas vezes como alvo de confrontos policiais em territórios empobrecidos nas grandes capitais do país. Precisamos repensar seriamente a política de segurança pública deste país. Não é possível que naturalizemos a morte de pessoas pretas e pobres como um reflexo de sucesso de combate ao crime organizado. Necessitamos de um sistema nacional de segurança pública capaz de trabalhar com meios eficazes de desmontar o mercado de atacado de drogas e armas. Sabemos que as armas e as drogas que estão nas comunidades empobrecidas não caem do céu. É responsabilidade do Estado atuar de forma preventiva e usar outros meios para enfraquecer essa lógica sanguinária do confronto. Nós como igreja precisamos ter coragem para denunciar essa política de segurança pública como incapaz de resolver os problemas e ajudar a sociedade a pensar em outra saída. 

EC - Que tipos de ações podem ser feitas nas igrejas locais?
AR - Quero aqui desafiar você que é metodista de coração aquecido ao engajamento do combate ao pecado do racismo. Organize em sua igreja uma atividade de reflexão sobre o pecado do racismo e faça download da carta pastoral, organize campanhas de oração pela justiça contra o pecado do racismo. Lembre-se de que você e eu somos agentes do reino de Deus e não podemos fechar os olhos diante do que temos visto. Que Deus nos abençoe! Paz e bem! 

Publicado originalmente na edição de NOVEMBRO de 2019 do jornal Expositor Cristão 

*Reprodução parcial ou integral deste conteúdo autorizado desde que seja citado a fonte conforme abaixo:

[Nome do repórter], Expositor Cristão (Edição novembro de 2019)


Tags: racismo, entrevista


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