Quando crian?a, eu ouvia de minha av?, mulher simples e de muita sabedoria e sensibilidade espiritual, as perguntas dela sobre uma express?o escatol?gica comum na ?poca: ?de mil passar?, dois mil n?o chegar?. Tratava-se das expectativas, com d?cadas de anteced?ncia, daquilo que estava por vir com o novo mil?nio. Direta ou indiretamente, tais expectativas de um fim pr?ximo ou iminente geravam formas de espiritualidade marcadas por despojamento e simplicidade de vida, pela entrega a Deus dos destinos da vida e do mundo, pela ?nsia de compreender a B?blia e de ler os sinais dos tempos.
O s?culo XXI chegou e derrubou a referida ?profecia?. Ao mesmo tempo, as express?es de espiritualidade se diversificaram, os desafios teol?gicos e pastorais se tornaram ainda mais complexos e o novo s?culo passou a exigir novas compreens?es da f? e um discernimento mais profundo no campo da espiritualidade. Para refletir sobre espiritua?lidade, especialmente motivados/as pela experi?ncia de Pentecostes, se imp?e a leitura adequada da B?blia e uma sensibilidade profunda para discernir os sinais de nosso tempo. A espiritualidade, por ser dom de Deus, ? como um ?clima? que nos possibilita viver a vida, interpretando os seus desafios, dilemas e possibilidades. Assim entendemos a vida orientada pelo Pentecostes.
A espiritualidade humana ? dom de Deus
Dentro de uma s?rie de aspectos que marcam a viv?ncia humana est? a incessante busca de supera??o de limites, do ir al?m das conting?ncias e das ambiguidades hist?ricas, da procura por absolutos que possam redimensionar a relatividade e a precariedade da vida. As experi?ncias religiosas pretenderam e pretendem possibilitar respostas para essa busca. Mas o olhar cr?tico da teologia produziu uma saud?vel distin??o entre a f? e a religi?o. A primeira, a f?, requer uma espiritualidade que, embora seja autenticamente humana, vem de uma realidade que transcende as engrenagens hist?ricas. Ela ? recebida, acolhida.
Tem sido cada vez mais comum a indica??o de que a f? ? parte constitutiva do ser humano e que pode tornar-se religi?o, com todas as formalidades que a expe?ri?ncia religiosa acrescenta em nossas vidas. A expe?ri?ncia religiosa n?o ? desvalorizada com a referida distin??o da f?. Ao contr?rio, a religi?o ? um meio pelo qual a f? antropol?gica se efetua. Ela est? ao lado de outras express?es humanas, que podem contribuir muit?ssimo para o cumprimento da vontade de Deus para a vida humana e toda a cria??o, assim como podem, em certos casos, inibir a realiza??o do amor de Deus na vida humana e no mundo. A f? ? maior que a religi?o. Essa talvez seja uma das grandes li?es de Pentecostes.
Como n?o podemos nos abstrair da vida para fazer o julgamento que em geral desejamos fazer sobre ela ? preciso, verdadeiro, calculado, irrefut?vel ?, a espiritua?lidade, como clima da f?, ganha os contornos que, se estivermos atentos/as para perceber, constituem a sua pr?pria natureza: o de aventura (ad ventura). A espiritualidade de Pentecostes ? uma forma de viver. Mas n?o devemos nos esquecer de que viver ? interpretar e que as interpreta?es podem ser direcionadas para pr?ticas libertadoras ou para as que geram formas autorit?rias, repressivas, alienantes, preconceituosas ou violentas. N?o tem sido assim em nossas igrejas? Por outro lado, uma espiritualidade baseada na vis?o do Pentecostes, que valoriza o amor, a justi?a e a alteridade, em geral, produz diferentes frutos.
Compreendemos que, pela gra?a de Deus, ?uma for?a estranha no ar? move e remove percep?es a ponto de vermos o que n?o est? mostrado: que ?um outro mundo ? poss?vel?, como nos indicaram os F?runs Sociais Mundiais, que as pessoas t?m valor independentemente de suas condi?es sociais e econ?micas, que o amor de Deus ? preferencialmente direcionado aos/?s mais pobres, que a paz e a justi?a andam juntas, que o amor e o respeito devem prevalecer nas rela?es humanas, que a salva??o vem de Deus e ? universal, n?o se limitando a uma igreja ou religi?o espec?ficas, que Deus ? maior do que todas as coisas. Esse tipo de espiritualidade n?o se aprende em livros ou conceitos teol?gicos, filos?ficos ou pol?ticos. Ele vem com a f? e ? a express?o mais viva de Pentecostes.
Escrito por: Claudio de Oliveira Ribeiro | Pastor Metodisa na 3? Regi?o?