Em sociedades mais conservadoras, ? comum dar-se import?ncia maior ? filia??o concebida no seio de um cl? familiar. Valoriza-se o/a filho/a biol?gico/a concebido/a no casamento, em detrimento de ?filhos/as de outros/as?, adquiridos/as fora do matrim?nio. Os textos b?blicos, ali?s, por narrarem hist?rias de comunidades judaicas antigas e tradicionais, servem como evid?ncia dessa diferencia??o, da? o enorme preconceito em rela??o ? prole oriunda de vias diversas daquela do casamento, a qual comumente se atribu?a a pecha de ?bastarda?.
O Brasil tamb?m passou por momentos, em sua hist?ria, de extremado conservadorismo no que se refere ao tratamento da filia??o. Em verdade, o C?digo Civil de 1916, o primeiro c?digo brasileiro, visava a preservar o patrim?nio da fam?lia entre aqueles/as descendentes biol?gicos/as do patriarca e, por isso, promovia grande distin??o entre filhos/as: eram ?leg?timos/as? aqueles/as concebidos/as no seio familiar, e eram ?ileg?timos/as? os/as filhos/as ?incestuosos/as? (adquiridos/as por algu?m n?o casado) ou os/as ?adulterinos/as? (adquiridos/as em trai??o ao c?njuge). Frisa-se que tamb?m se admitia a possibilidade da ado??o, mas em hip?teses raras e sendo que o/a ?filho/a adotivo/a?, tal como o/a ?ileg?timo/a?, n?o gozava dos mesmos direitos previstos em lei daquela prole concebida no seio do matrim?nio.
Esse cen?rio, todavia, sofreu forte mudan?a com o avan?ar dos anos, sendo que foi com a Constitui??o de 1988 que se anulou do ordenamento jur?dico brasileiro qualquer diferencia??o entre filhos/as. Hoje, n?o mais se pode fazer refer?ncia a ?filhos/as leg?timos/as?, ?filhos/as ileg?timos/as? ou ?filhos/as adotivos/as?; todos/as s?o iguais, n?o devendo receber nenhum predicativo diferenciador ou pejorativo.
Eis que na sociedade brasileira contempor?nea, o estado filial n?o se limita a um v?nculo biol?gico com o/a genitor/a, indo bem mais al?m: filho/a ? aquele/a com quem se firma v?nculo socioafetivo. No caso da ado??o, trata-se de ?filia??o constru?da no amor?. Assim, o/a adotando/a adquire os mesmos direitos e obriga?es como qualquer prog?nito/a: direito ao nome, parentesco, alimentos e sucess?o, deveres de respeito e obedi?ncia em rela??o aos pais; estes ?ltimos, por sua vez, passam a ter os deveres de guarda, educa??o, cria??o e fiscaliza??o.
Agora n?o mais existe ?filho/a adotivo/a?; filho/a ? filho/a, e a ado??o ? mero procedimento chancelado pelo juiz pelo que se firma o v?nculo filial. Com a ?desbiologiza??o da paternidade?, o que importa n?o ? apenas e meramente o la?o de sangue, mas a alian?a de amor. Da? a perfeita met?fora usada por Paulo (Ef 1.5), quando ele diz que os/as gentios/as foram adotados/as em amor por meio de Jesus Cristo. Ora, se adotados/as, todos os direitos de filhos/as os/as crist?os/?s t?m, o que ? motivo de enorme alegria.
V?-se, diante de tudo isso, que o Direito brasileiro superou preconceitos hist?ricos. Todavia, paradoxalmente, mant?m burocracia exagerada, que muitas vezes serve de empecilho ? coloca??o de uma crian?a (e at? de um adulto) em fam?lia substituta. Assim, em face da enorme quantidade de crian?as ?rf?s, abandonadas, jogadas no lixo, violentadas e maltratadas, espera-se que o amor v?, aos poucos, superando as amarras do formalismo exagerado ainda presente. Aguarda-se, com ansiedade, pelo esvaziamento dos orfanatos.
“Agora n?o mais existe “filho/a adotivo/a”; filho/a ? filho/a, e a ado??o ? mero procedimento chancelado pelo juiz pelo que se firma o v?nculo filial”