Publicado por Redação em Notícia, Notícias, Episcopal - 03/01/2018 às 10:09:12

A integridade como valor inegociável do Evangelho

Bispa Hideide Brito Torres
Presidente da 8ª Região Eclesiástica 

Kevin DeYoung, um jovem pastor norte-americano, comenta que podemos ter dois amigos, dois hobbies ou dois empregos. Mas não dois senhores, porque escravidão é uma coisa absoluta. Jesus ensina que não é possível servir a dois senhores, porque a gente acaba amando a um e desprezando o outro (Mateus 6.24). Ou colocando as coisas de um em primeiro lugar e relegando ao outro as segundas opções.

É interessante como coisas óbvias nos chocam. Sinto-me envergonhada em perceber o quanto em mim ainda se debate entre duas ideias, dois propósitos ou até mais! Como é fácil desviar-me do que é importante e dar valor ao secundário. Foi por isso que a Igreja se desviou muitas vezes da missão. Dividiu-se em partidos religiosos, assumiu posturas político-ideológicas de modo radical, perseguindo quem pensava diferente e envolveu-se em causas sociais que, embora importantes e pertinentes, não eram a sua missão principal. Assim, mitigou-se o anúncio do Evangelho, da necessidade do arrependimento e da conversão para a salvação e a vida eterna em Jesus. 

Isso trouxe tantos problemas ao longo dos anos que até hoje estamos aqui, tentando acertar e ainda errando. Com nossos erros, fazemos pessoas sofrerem, nos afastamos do próximo e de Deus, damos um mau testemunho público ou recaímos nas temáticas dos sacerdotes e levitas que passam de largo (Lucas 10.25ss). Ou nos debatemos a fazer muitas obras, mesmo sem o crivo da fé (Tiago 2.14-26). Enfim, nos dividimos interiormente como pessoas e comunitariamente como corpo de Cristo. As divisões escandalizam. Os escândalos fazem com que as pessoas se afastem da fé. O afastamento leva à incredulidade. E a morte instala-se no lugar da vida plena que devíamos oferecer pelos méritos de Jesus, que morreu por nós.

O Pastor Kingspride, missionário metodista no Gana, nos lembrou recentemente numa visita ao Brasil que a igreja tem feito muita coisa em nome de Deus que Deus não pediu para fazer. Tem se tornado uma prestadora de serviços ao invés de uma agência da graça. Tem condenado como um tribunal ao invés de entender que a promessa diz que o Espírito seria derramado sobre toda a carne, e não apenas sobre as carnes que achamos mais pertinentes ou parecidas conosco. Que o Espírito de Deus está sobre lugares que a gente não admite e sobre pessoas com quem não gostaríamos de partilhar o Evangelho. Duramente, nos advertiu que Deus chamou os/as judeus/as para serem os/as portadores/as de suas boas-novas. Com a recusa daquele povo em abrir-se ao amor aos outros povos, resguardando só para si a aliança, Deus, em Cristo, levantou a Igreja. Mas bem pode ser que essa graça de sermos colaboradores e colaboradoras com Deus nos seja subtraída da mesma maneira, se também nos recusarmos a abrir nossa vida, coração e prática a amar ao próximo que Deus criou e não apenas o próximo que se parece conosco.

Tenho achado dura esta palavra. E é porque ela me confronta. Integridade é um estado de ser inteiro, sem rachaduras, sem manchas, ruga ou mácula. Um estado de uma pessoa capaz de alinhavar seu discurso e sua prática com a linha mesclada da coerência. Como isso é difícil! Prova disso é o quanto nós, como Igreja de Cristo, nos encontramos em um estado de tensão, de separação e de dúvida que não opera a graça e o amor de Jesus. O desespero daí resultante, como lembra Kierkgaard, é o pecado que não tem perdão, a blasfêmia contra o Espírito Santo, porque no fundo, no fundo, estamos a afirmar que Deus não pode fazer o que Ele se propôs nas Escrituras. Na prática, vivemos de modo oposto ao que pregamos. Nossa desintegração é visível aos olhos e escândalo para quem não crê. Como vencer esse pecado?

Acredito que um passo importante é a gente começar pelo básico: o arrependimento. Nos/as crentes, diz João Wesley, o arrependimento é o conhecimento de si como ser humano pecador diante de Deus. Reconhecemos que a desintegração dos nossos valores compromete a integridade do nosso serviço e do nosso testemunho. Corremos o risco da injustiça, do desamor, da exploração de posições ou do poder do discurso, minamos a fé e a esperança das pessoas, descuidamos da família, do mundo como obra de Deus e prestamos um desserviço ao Evangelho de Cristo.

Ao contrário, a integridade promovida pelo arrependimento assume a cada dia o caráter esperançoso e transformador da conversão. Kingspride nos mostrou em suas ministrações que Jesus era íntegro no propósito e na prática. Ele não quis ser rei nem aceitou honrarias no contexto judaico. Ele veio para levar as pessoas a uma experiência de salvação e se manteve fiel a este propósito de cumprir a vontade do Pai. Por isso, ele ensinava de modo a formar uma base sobre a qual a pregação poderia levar a uma resposta mais efetiva do ouvinte. Uma vez ensinado e tendo respondido à pregação, este ouvinte, homem ou mulher, poderia receber a cura de seu corpo ou alma enfermados. E depois de fazer isso, comovido pela multidão das ovelhas sem pastor, tocado pelo iminente prejuízo da colheita madura sem trabalhadores/as suficientes, Jesus compartilhou de si mesmo para gerar tais colaboradores/as (Mateus 9.35-38).

A igreja que não é íntegra em seu arrependimento, em seu caráter e em seu serviço pode colocar a perder todo o esforço de Jesus. O tempo de percebermos isso e de nos movermos para a unidade do corpo e para a integridade prática é urgente e é agora. Se discípulos e discípulas nos caminhos da missão servem com integridade, os valores do Reino aparecem em tudo o que fazem, porque não apenas fazem o que Deus mandou, mas fazem do jeito como Deus faria – gerando justiça, paz e alegria (Romanos 14.17). 


Publicado originalmente no Jornal Expositor Cristão de janeiro/2018. Acesse aqui.


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