Publicado por Redação em Notícia - 26/02/2024 às 10:48:48

Carta Pastoral 2024

 

O Colégio Episcopal da Igreja Metodista, dentro de sua tarefa pastoral de orientar ao povo chamado metodista, com fundamento no tema do ano de 2024, da Igreja Metodista nacional, “Discípulas e discípulos nos caminhos da missão empenham-se pelo fim do racismo e do preconceito”, encaminha esta carta pastoral, que cremos, como metodistas, termos esta grande oportunidade para ajudar na superação do racismo e de toda a discriminação em nosso país.

 

Encaminhamos para a reflexão das igrejas em suas múltiplas ações, também nos cultos, encontros, escola dominical, reuniões específicas para discutirem e aprofundarem este tema, o combate ao racismo e à discriminação racial, cuja clara feição traz uma mensagem de que também sinalizamos o reino com um claro repúdio ao racismo e à discriminação racial, entendendo que só é possível concretizar os ideais do reino e do estado democrático de direito na medida em que se supere a herança escravista que durou por mais de 350 anos na história brasileira.

 

Convidamos a todos as pastoras, pastores, leigos e leigas a uma acolhida amorosa a este documento com a certeza de que será um instrumento de edificação e crescimento, gerando resultados concretos na vida missionária da Igreja.

 

Bispo Nelson Magalhães Furtado

Presidente da 2ª Região Eclesiástica


 

A Igreja Metodista, o combate ao racismo e a discriminação racial

 

Introdução

 

De caráter estrutural e sistêmico, a desigualdade racial no Brasil é inquestionável e persiste devido à fragilidade de políticas públicas para o seu enfrentamento. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), enquanto os pretos e pardos representam 56% da nossa população, a proporção deste grupo entre todos os brasileiros abaixo da linha de pobreza é de 71%; já a fração de brancos é de 27%. Quando olhamos os números de extrema pobreza, a discrepância quase triplica: 73% são negros e 25% brancos. essa perspectiva, construir uma sociedade mais igualitária requer a compreensão do papel de cada estrutura socioeconômica na reprodução do racismo para elaborar estratégias efetivas de enfrentamento.

 

Na educação, essa desigualdade é evidente e o combate a ela é indispensável para qualquer mudança, de modo que, sem uma educação efetivamente antirracista não é possível pensar em uma sociedade igualitária.

 

Um dos grupos com profunda atuação na problematização pública do racismo é a Pastoral Metodista de Combate ao Racismo. 

 

 

O que é discriminação racial e quais os tipos de discriminação existentes?

 

A discriminação racial é o tratamento injusto, desigual ou prejudicial de uma pessoa com base em sua raça, cor, ascendência, origem étnica ou nacionalidade. Ela ocorre quando alguém é tratado de maneira negativa ou injusta devido à sua raça; seja através de ações, palavras, políticas ou práticas discriminatórias. A discriminação racial pode manifestar-se em diversas formas, como insultos, atos de violência, exclusão social, acesso desigual às oportunidades de educação, emprego, moradia, serviços de saúde e justiça.

 

É uma violação dos direitos humanos e uma forma de preconceito e opressão baseadas nas características raciais de uma pessoa.

 

Existem diferentes tipos de discriminação racial que podem ocorrer. Alguns exemplos incluem:

 

Discriminação institucional:

refere-se às políticas, práticas e sistemas que discriminam ou beneficiam certos grupos raciais, resultando em desigualdades estruturais;

 

Discriminação interpessoal:

ocorre quando uma pessoa é tratada de forma injusta ou com preconceito com base em sua raça por outra pessoa ou grupo de pessoas;

 

Discriminação sistêmica:

é um tipo de discriminação enraizada nas estruturas sociais, políticas e econômicas de uma sociedade, resultando em desigualdades e oportunidades limitadas para grupos raciais minoritários;

 

Discriminação racial no emprego:

ocorre quando uma pessoa ou grupo de pessoas enfrenta tratamento desigual no local de trabalho, como ser negado um emprego, promoção ou igualdade salarial com base em sua raça;

 

Discriminação racial na habitação:

refere-se à discriminação no acesso à moradia com base na raça, como ser negado o aluguel ou a compra de uma casa em determinada área;

 

Discriminação racial na educação:

ocorre quando os alunos enfrentam desigualdades no sistema educacional com base em sua raça, como disparidades no financiamento escolar, falta de acesso aos recursos educacionais de qualidade ou disciplina desigual;

 

Discriminação racial na aplicação da lei:

ocorre quando indivíduos de certos grupos raciais são tratados de forma desigual pelo sistema de justiça criminal, como perfis raciais, prisão arbitrária, violência policial ou sentenças mais pesadas.

 

É importante ressaltar que esses são apenas alguns exemplos e que a discriminação racial pode se manifestar de várias maneiras em diferentes contextos.

 

 

Como a lei trata a discriminação racial

 

Como combater a discriminação num país ainda racista, como o Brasil? A aprovação da primeira lei brasileira contra o racismo, em 1951, estabeleceu como contravenção penal qualquer prática de preconceito por cor ou raça. Desde então, outras leis surgiram para criminalizar a prática de discriminação racial, como a Lei 7.716/1989, que define os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor, e a própria Constituição Federal, que diz que o racismo é crime inafiançável e imprescritível e estabelece as seguintes condutas como criminosas:

 

Praticar, induzir ou incitar a discriminação racial:

É crime praticar atos de discriminação racial, como negar acesso a um estabelecimento comercial, negar emprego ou promoção profissional, praticar atos de violência ou constrangimento físico, entre outros. Também é crime induzir ou incitar a discriminação racial por intermédio de meios de comunicação ou publicação de qualquer natureza.

 

Fabricar, comercializar ou distribuir símbolos, emblemas, ornamentos, distintivos ou propaganda que incitem à discriminação racial:

é proibida a produção, venda ou distribuição de quaisquer materiais que tenham como objetivo incitar a discriminação racial ou propagar ideias racistas. A lei prevê penas de reclusão e multa para quem cometer esses crimes, variando de acordo com a conduta específica e a gravidade. Além disso, a vítima de discriminação racial também pode buscar reparação civil por meio de ações judiciais, buscando indenização por danos morais e materiais.

 

É importante ressaltar que o Brasil também tem outras leis e políticas para promover a igualdade racial e combater a discriminação, como a Lei nº 12.288/2010, que institui o Estatuto da Igualdade Racial, e a criação da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR), do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania.

 

 

Quais os caminhos para combater a discriminação racial na sociedade?

 

O Brasil conta com um histórico de quase 400 anos de escravidão do povo negro que veio sequestrado da África. E, subsequentemente, simulou um processo de abolição, que, de fato, representou a transição de um sistema racista oficial e de segregação legalizada para uma total indiferença em face da igualdade racial, agora sob o manto da democracia.

 

A população negra brasileira é a maior do mundo fora do Continente Africano, mas essa maioria foi transformada, por um longo processo racista, em minoria econômica, cultural e política, porque permanece sub-representada em esferas de poder e de visibilidade em nosso país.

 

O 13 de maio de 1988 traz uma armadilha ideológica na qual a abolição aparece como uma dádiva e não como uma conquista. Com ela também se inicia “o processo de marginalização das trabalhadoras e trabalhadores negros. Até aquela data elas e eles haviam sido considerados bons para o trabalho escravo. A partir daquela data passaram a ser considerados ruins, incapazes para o trabalho livre”. Após a assinatura da lei, não se indenizou a população preta e o país permaneceu sem criar mecanismos de amparo e inclusão no mercado de trabalho aos ex-escravos e seus descendentes.

 

É com esse longo passado que, através da 3ª Conferência Mundial contra o Racismo, promovida pela ONU, em 2001, na cidade de Durban, na África do Sul, o Brasil assumiu o compromisso oficial de combater todas as formas de racismo e discriminação racial, e estabelecer políticas concretas para a sua superação.

 

Dentre as políticas de ações afirmativas mais difundidas para o enfrentamento da desigualdade racial, encontra-se o sistema de cotas raciais. Sistema esse que se concretiza através da reserva de vagas para as pessoas que se autodeclaram negras, mediante procedimento de heteroidentificação complementar, em instituições públicas ou privadas, para cursos de ensino primário, médio ou superior, para o preenchimento de cargos públicos, empregos e estágios etc., por serem espaços que, historicamente, não eram acessíveis, por um processo de exclusão sustentado pelo racismo.

 

Existem diferentes caminhos para combater a discriminação racial na sociedade. Alguns deles são:

 

Educação:

investir em educação antirracista e inclusiva desde a infância é fundamental para combater estereótipos e preconceitos. Isso inclui o ensino de história afro-brasileira e africana nas escolas, bem como a promoção de espaços de diálogo e reflexão sobre o tema.

 

Conscientização e sensibilização:

é importante promover campanhas de conscientização e sensibilização sobre a questão racial, tanto nos meios de comunicação quanto em espaços públicos, a fim de estimular uma reflexão crítica e combater estereótipos prejudiciais.

 

Políticas de ação afirmativa:

a implementação de políticas de ação afirmativa, como cotas raciais em universidades e concursos públicos, que tem como objetivo corrigir desigualdades históricas e promover a inclusão de grupos historicamente discriminados.

 

Fortalecimento da legislação e punição:

é importante fortalecer a legislação e garantir que as leis de combate ao racismo sejam efetivamente aplicadas. Além disso, é necessário reforçar a punição para casos de discriminação racial, a fim de desencorajar esse tipo de comportamento.

 

Promoção da diversidade e representatividade:

a promoção da diversidade e representatividade em diferentes áreas, como mídia, política e mercado de trabalho, é essencial para combater a discriminação racial. Isso inclui ampliar as oportunidades de emprego e cargos de liderança para pessoas negras, bem como valorizar e visibilizar a cultura, história e contribuições dos grupos raciais minoritários.

 

Combate ao racismo estrutural:

além de combater as formas explícitas de discriminação racial, é importante enfrentar as estruturas e instituições que perpetuam a desigualdade racial, como o acesso desigual aos recursos, serviços e oportunidades.

 

Essas são apenas algumas das abordagens possíveis para combater a discriminação racial na sociedade. É um trabalho contínuo que requer a participação e engajamento de todos os setores da sociedade.

 

 

A origem do mito bíblico que foi utilizado para “justificar” o racismo

 

O Antigo Testamento conta que, depois do dilúvio, Deus procurou Noé para selar uma aliança. A destruição iria cessar e todos que saíssem da famosa arca — humanos e animais —, iriam repovoar a Terra.

 

Noé tinha três filhos: Jafé, Sem e Cam. Esse último também tinha um filho, Canaã, neto do patriarca.

 

Depois do dilúvio, Noé virou lavrador e plantou um vinhedo. Um dia, “bebendo do vinho, embriagou-se e achou-se nu dentro da sua tenda”, narra a Bíblia.

 

“Cam, pai de Canaã, viu a nudez de seu pai, e contou a seus dois irmãos que estavam fora. Então tomaram Sem e Jafé uma capa, puseram-na sobre os seus ombros e, andando virados para trás, cobriram a nudez de seu pai; tiveram virados os seus rostos, e não viram a nudez.”

 

Quando acordou, Noé ficou possesso ao descobrir que seu filho tinha visto sua nudez — algo considerado inaceitável. Então, resolveu amaldiçoar Canaã, tornando seu neto um servo. “Maldito seja Canaã, servo dos servos será de seus irmãos”, disse Noé.

 

Nessa povoação, Jafé teria levado à criação dos europeus, germânicos e arianos. Sem teria originado os povos semitas. Já povos da Ásia Oriental descenderiam de Cam.

 

Mas Canaã, filho de Cam amaldiçoado pelo avô, seria o pai dos etíopes, sudaneses, ganeses e ameríndios. Ou seja, os africanos seriam descendentes de Cam e de Canaã.

 

 

Como afirmado, não passa de um mito. Qual é a história da igreja com racismo?

 

A Igreja Metodista, de modo geral, tem uma longa história de preocupação com a justiça social, incluindo falar contra a injustiça racial, advogar e trabalhar em prol da igualdade.

 

O fundador do metodismo, John Wesley, era conhecido por sua oposição à escravidão. Em 1773, ele imprimiu um panfleto intitulado “Pensamentos sobre a escravidão”, no qual denunciou os males da escravidão e pediu aos comerciantes e proprietários de escravos que se arrependessem e libertassem seus escravos.

 

“Nada é mais certo e aparente para todos do que o infame tráfico de escravos viola diretamente a lei divina e a humana”, escreveu ele.

 

Os escritos de Wesley influenciaram os líderes políticos de sua época — incluindo William Wilberforce, um membro do Parlamento britânico que liderou um movimento para abolir o tráfico de escravos. A última carta que Wesley escreveu, seis dias antes de sua morte, foi endereçada a Wilberforce, pedindo-lhe que continuasse seu trabalho. Nessa carta, ele lamentou que “um homem que tem uma pele negra sendo ofendido ou ultrajado por um homem branco, não pode ter reparação”.

 

 

Como a igreja está trabalhando para desmantelar o racismo hoje?

 

Os metodistas reconhecem que o racismo nega os ensinamentos de Jesus e nossa humanidade comum e criada. Os metodistas são chamados a continuar a cumprir os votos batismais de “não fazer mal, fazer bem a todos, e permanecer ligado à vida sacramental e devocional da igreja... qualquer forma que se apresentem”.

 

A igreja deve se envolver, intencionalmente, em ser uma igreja antirracista, não apenas no papel, mas em ação. Os metodistas devem advogar e trabalhar no sentido de desmantelar os sistemas injustos que causam, ou mesmo se beneficiam, da desigualdade contínua.

 

Os metodistas também devem trabalhar pela mudança e votar de maneira que promova justiça a todos. Devem também se conscientizar sobre as maneiras pelas quais os gastos pessoais ajudam ou prejudicam certas comunidades, e incentivar práticas justas.

 

O combate ao racismo consiste em mudar visões, mudar comportamentos, e mudar a sociedade. Esses são processos longos que podem nunca estar completos. Entretanto, o povo metodista continuará a trabalhar pela mudança nessas três áreas.

 

 

Conclusão

 

Olhar para o futuro sem esquecer o passado.

 

Racismo e ignorância caminham sempre de mãos dadas. Os estereótipos e as ideias pré-concebidas vicejam se está ausente a informação e se falta o diálogo aberto, arejado, transparente. Não há preconceito racial que resista à luz do conhecimento e do estudo objetivo. Neste, como em tantos outros assuntos, o saber é o melhor remédio.

 

Não era por acaso que o nazifacismo queimava livros.

 

A superação do racismo ainda presente em nossa sociedade é um imperativo. É uma necessidade moral e uma tarefa política de primeira grandeza. E a educação é um dos terrenos decisivos para que sejamos vitoriosos neste esforço.

 

Através de um genuíno movimento — como a capacidade de olhar para o passado para construir o futuro —, o movimento negro brasileiro passou a pleitear políticas de ações afirmativas para a população negra. Essa estratégia é implementada para interromper um processo histórico de marginalização racial e garantir um futuro com dignidade para a população negra, para que esta possa ter pleno acesso aos espaços de prestígio da sociedade.

 

É nossa fé e esperança que estes esforços, conjuntos na sociedade, culminem na erradicação do racismo e da discriminação racial em nosso país.

 

São Paulo, janeiro de 2024.

 

Colégio Episcopal da Igreja Metodista do Brasil

 

Bispo Adonias Pereira do Lago, 5ª RE, Presidente

Bispo Roberto Alves de Souza, 7ª RE, Vice-presidente

Bispo Bruno Roberto Pereira dos Santos, 4ª RE, Secretário

Bispo Paulo Rangel dos Santos Gonçalves, 1ª RE

Bispo Nelson Magalhães Furtado, 2ª RE

Bispo Marcos Antonio Garcia, 3ª RE

Bispo Fernando César Monteiro, 6ª RE

Bispa Hideide Aparecida Gomes de Brito Torres, 8ª RE

Bispo Fábio Cosme da Silva, 9ª RE

Bispo André Luiz de Carvalho Nunes, REMNE

 

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