Filipe Valério Montuan, nascido em Belo Horizonte (MG), é pastor na Igreja Metodista em Jardim Camburi (ES), na 4ª Região Eclesiástica, casado com Sabrina e pai da Hadassa. Além de pastor, é escritor de ficção cristã e usa a literatura como ferramenta de discipulado e evangelismo. Sua primeira obra é O Conto de Raion – O Renascimento dos Samurais. O livro conta a história de Ikari, um jovem da nação de Raion que descobre ser descendente de um grande samurai e precisa se conectar com uma divindade desconhecida para decidir seu destino: permanecer como camponês ou restaurar a ordem dos samurais e libertar a nação do sofrimento e da tirania causados por um clã perverso que domina Raion há quatrocentos anos. Inspirado na invasão mongol ao Japão em 1281, a obra une aventura, imaginação e princípios cristãos. Atualmente, Filipe trabalha na continuação da série e em novos projetos literários para jovens e leitores de todas as idades.
1. Quando você começou a perceber sua vocação para a literatura?
Eu sempre gostei muito de escrever e sentia que isso era algo natural para mim. Mas, por muito tempo, eu não sabia exatamente qual direção seguir: se seria teologia, se louvor e adoração, ou algum outro campo do ministério.
Foi só em novembro de 2023, durante o Ministerial de Famílias Pastorais da Quarta Região Eclesiástica da Igreja Metodista, que algo começou a se revelar de forma mais clara. Ali, em uma conversa com minha amiga Sara Gusella, que também é escritora e filha de pastor metodista, comentei com ela que eu tinha uma ideia para um livro. Ela me encorajou a transformar aquela ideia em uma história e foi o empurrão que eu precisava.
Curiosamente, a ideia original de O Conto de Raion nasceu enquanto eu jogava o game Ghost of Tsushima. A estética samurai, e o grande apego ao código dos samurais me chamaram a atenção e eu pude ver como os ideais do código do Bushido estavam relacionados com as histórias bíblicas.
Mas, mais do que uma inspiração artística, O Conto de Raion foi uma resposta de oração, pois eu estava buscando em oração uma forma de me conectar com a juventude, de comunicar o Evangelho de um jeito que dialogasse com a linguagem e o imaginário dessa geração. E foi nesse tempo de oração que senti Deus me direcionando para que eu escrevesse essa história foi então que compreendi minha vocação: escrever histórias que unam aventura e imaginação com princípios cristãos, levando a fé para dentro da cultura e mostrando que a fantasia também pode revelar o Evangelho.
2. Quais são suas influências artísticas e espirituais? Há algo na tradição metodista que impacta seus trabalhos?
Tenho muitas referências que me inspiram, tanto na arte quanto na fé.
Na literatura, destaco C. S. Lewis e J. R. R. Tolkien, que me mostraram como é possível unir imaginação e fé de maneira profunda e encantadora. Também admiro autores contemporâneos como Sara Gusella (cristã e metodista que se tornou minha mentora) e R. F. Kuang. Ambas me influenciam pela construção de mundos ricos e personagens emocionalmente complexos.
Na vida espiritual, sou profundamente marcado pelos pastores Luciano Subirá e Zé Bruno, e também pela bispa Hideide e o bispo Bruno Roberto, da Igreja Metodista, comunidade onde cresci e onde minha fé foi moldada.
A tradição metodista influencia minha obra de forma muito especial, mesmo que de maneira sutil. Um dos conceitos presentes em minha obra é o da graça preveniente que fala sobre a certeza de que Deus age antes mesmo de termos consciência disso. Em O Conto de Raion, por exemplo, o herói é atraído por uma força de propósito maior que ele, uma vocação que o chama antes mesmo de ele compreender quem realmente é. Essa jornada ecoa exatamente a ideia da graça preveniente: o amor de Deus que nos busca antes de sabermos buscá-Lo.
Outro aspecto que me inspira é a convicção de John Wesley de que a arte, seja a música, a poesia ou a leitura podem ser um meio de graça quando conduz o coração a Cristo. Para mim, isso soa como um convite direto: usar a ficção e a beleza narrativa como instrumentos de discipulado e evangelismo, assim como o metodismo fez com seus hinos e literatura.
3. Como você enxerga a abertura para novos escritores na literatura cristã?
Existe um crescimento claro e perceptível na literatura cristã nos dias de hoje. E não se trata apenas de leitores em busca de boas histórias, mas também de editoras e eventos literários que têm aberto espaço para novos autores e novos gêneros. Um exemplo marcante disso é a FEFICC (Feira de Ficção Cristã e Cultura), que reuniu mais de quinze mil pessoas em São Paulo, em julho. Isso mostra que existe um público crescente, curioso e sedento por narrativas cristãs criativas e relevantes.
A literatura cristã hoje é um campo fértil e diverso, que vai muito além dos livros devocionais ou teológicos. Existem muitos subgêneros dentro da ficção cristã que dialogam com diferentes públicos e culturas, como o romance cristão, o terror cristão, o dorama cristão e até produções inspiradas em animes e mangás, que expressam valores bíblicos de forma simbólica e cativante.
Essa diversidade reflete a própria variedade da Igreja, composta por pessoas de diferentes idades, contextos e formas de enxergar o mundo. E é justamente por isso que há espaço e necessidade de novos autores dispostos a comunicar o Evangelho com imaginação, sensibilidade e autenticidade, usando as linguagens artísticas que dialogam com a geração atual. Acredito que estamos vivendo um tempo em que a arte cristã está sendo redescoberta, e novos escritores têm a oportunidade de contribuir para essa revolução criativa, mostrando que a ficção também pode ser uma poderosa forma de pregar o Evangelho.
4. Quais são seus projetos atuais e sonhos para o futuro?
Atualmente, estou focado na divulgação e consolidação de O Conto de Raion – O Renascimento dos Samurais junto aos leitores, considerando que o livro foi lançado há pouco tempo. Meu objetivo agora é fortalecer a conexão do livro com os leitores, levando a história para novos públicos e consolidando o universo que ela apresenta.
Paralelamente, já comecei a estruturar o segundo volume da série, que dará continuidade às histórias da nação de Raion, embora ainda não haja uma data de lançamento definida.
Além dessa sequência, estou desenvolvendo dois outros projetos literários: o primeiro é um livro voltado para escritores de ficção cristã em que pretendo abordar fundamentos teológicos da ficção cristã com o propósito de ajudar escritores que têm boas histórias de ficção, mas que às vezes esbarram no aspecto teológico e bíblico; o segundo é uma nova série que mistura magia e elementos de RPG unindo o imaginário fantástico com reflexões bíblicas e a mensagem do evangelho.
No âmbito acadêmico, pretendo cursar um mestrado que una teologia e literatura, explorando como esses elementos são centrais nas parábolas de Jesus e podem inspirar tanto a escrita quanto a interpretação bíblica.
5. Quais foram os maiores desafios que você enfrentou nesse ministério artístico?
Escrever para mim é a parte mais fácil e prazerosa de todo o processo. Desde a estruturação dos capítulos até a escrita em si, tudo é maravilhoso. Mas o desafio começa mesmo na fase de publicação, principalmente para quem é escritor independente. Os custos de revisão, editoração, diagramação, capa e impressão são altos, e isso se torna um verdadeiro exercício de fé e persistência.
Outro grande desafio é o próprio entendimento do público cristão em relação ao gênero de fantasia cristã. Muitos esperam encontrar na história uma releitura direta da Bíblia, quando na verdade a proposta é diferente — é uma narrativa inspirada por valores e princípios cristãos, mas contada de forma simbólica e imaginativa. Então, muitas vezes, o papel do autor é também o de educar o público, mostrando como esse tipo de literatura pode transmitir o Evangelho de uma forma bela, criativa e profunda.
E talvez o maior desafio de todos seja romper a visão limitada sobre a arte dentro da igreja. Ainda há quem veja a arte como algo secundário, quando na verdade a beleza é parte essencial da fé cristã. Nós servimos a um Deus criativo, que expressa Sua glória também através da estética, da imaginação e da arte.
Mais do que escrever, como autor eu entendi que também tinha o desafio de mostrar que produzir arte inspirada por Deus é também uma forma poderosa de evangelizar e transformar vidas.
Filipe Valério Montuan
Pastor Metodista na Igreja Metodista na 4ª Região Eclesiástica. Atualmente pastoreando a Igreja Metodista em Jardim Camburi/ES
Instagram: @filipemontuan
